Voz da periferia

Camilo Castro & Ivo Tavares | 24 Jul 2020

A educação é um dos pilares mais fortes e importantes para a construção do ser humano e para a evolução da humanidade.

Ela transcende os limites e ultrapassa as fronteiras. A educação é efêmera, intangível e gigante. Sociedade e grupos com acesso à educação são potências universais.

E de onde está a educação?

Em todos os cantos, em todos os lugares, grupos de pessoas são enraizados em crenças construídas a partir de histórias… Das suas histórias.

Educar vai além dos formatos padrões ou disruptivos que conhecemos através dos modelos escolares.

Educar é valor, respeito, empatia, relações, visão de mundo e perspectiva.
E por falar em história, a arte é uma poderosa e eloquente forma de propagar educação e conscientizar-nos sobre quem somos. A arte é a leitura da alma.

Convidamos Ivo Tavares, um amostrado, cauteloso, comunicólogo, artista e baiano, residente do bairro da Capelinha, comunidade soteropolitana, para dividir com a CA alguns dos deleites da sua relação com o mercado de trabalho a partir das suas experiências com a arte da fotografia e como isso fomenta, na sua visão, o processo educacional em situações periféricas.

“Sou o exercício do mistério em sua versão mais descarada. Conflitos sem propósito nunca serão minha primeira opção.

Nasci artista, criar sempre foi uma constante em todos os momentos da minha vida. Hoje, sinto que projeto em minha arte, o que meu corpo não mostra, mas sente. Me dedico para que, um dia, eu e minha criação sejamos um só. Sem dissociações.

A periferia é mais que endereço. Parece óbvio, mas na prática, não é. A prova disso é, quando você diz de onde vem, ninguém da faculdade mais cara de Salvador sabe nem ao menos ‘pra que lado fica isso’.

Foto da comunidade da Capelinha, em Salvador/BA. Registro do artista.

A arte periférica é uma ponte de conexão com essas pessoas, mas, normalmente, apenas para recreação. Veja, as mesmas pessoas que nem faziam ideia de onde eu vinha, dançam e cantam todas as músicas do ‘Harmonia do Samba’, adoram o ‘Picolé Capelinha’ e se encantaram com a ‘Capelinha do Forró’. Ou seja, mesmo esses três, levando fortemente o nome do seu lugar, são o suficiente para entrarmos minimamente no repertório desta parcela social. 

A relação da minha arte com a periferia nasce do desejo de mostrar por dentro o que somos e representamos. Que existimos. 

Se todo modelo de educação tivesse um braço forte na arte, estaríamos com um cenário artístico fortalecido e respeitado. Aprender através da arte torna o processo muito mais interessante e engajado. Desenvolve o indivíduo como um ser questionador, ativo e inovador. 

A escola de Comunicação e a vida na periferia destacam pontos que as duas têm em comum. Em ambas aprendemos que é preciso ter atenção ao que falamos e, principalmente, ao que adotamos como discurso e que o silêncio no momento certo também é vital. 

A arte chegou como amplificadora dessa sabedoria de aldeia, que logo foi afinada na faculdade. Levar a essência do meu lugar foi um passo muito importante no meu processo de crescimento. Ter orgulho de quem eu sou não me põe em lugar de aceitação dos problemas que as condições implicam sobre mim. A sociedade precisa parar de romantizar e culpabilizar mazelas de um grupo com muito menos oportunidade. 

Todos os movimentos sociais que agora gritam ao nosso lado, estão atentos e exigentes. Cobram. 

É neste momento que vejo a arte como porta-voz de discursos que dizem o óbvio, através de uma nova narrativa. Cutucamos a sociedade e apresentamos novas interrogações. Causamos a sensação de “como nunca pensamos nisso” e “era tão óbvio”.

Daí fica escancarado o abismo entre os valores de um negócio que nasce atento ao mundo e sua pluralidade, e de um negócio que se fecha na cabeça do dono e acha que salvou o mundo do machismo postando um card “feliz dia das mulheres”. 

Se posicionar é preciso, prestar contas é mais ainda. Só falar não nos diz mais nada. Assegure lugar dentro da sua empresa, e terás um negócio diverso e forte para lidar com inúmeras ondas. Quanto mais repertórios de vida, mais palavras para sua tese. 

Uma vez eu li que nos primeiros anos de vida de uma criança é o momento no qual precisamos apresentar o maior número de palavras possíveis. Isso estimula o aprendizado e potencializa a ampliação do seu vocabulário para toda a vida. Ou seja, consuma arte e serás maior a cada dia. 

Se não pode ler, ouça. Se não pode criar, contemple e apoie. Absorva de tudo, para ser um pouco de cada.”

Educação, periferia, arte e mercado de trabalho. 

Educação salva. Arte inspira.

Salva pessoas, grupos, contextos, salva a evolução. 

Inspira essência, de dentro pra fora, vulnerabilidade. 

O que é a humanização do mercado e das empresas? É tornar importante quem, de fato, é importante: as pessoas. 

Sempre que planejarmos realizar algo, dizer algo, é válida a reflexão: qual é o impacto que isto irá gerar em mim e no outro? Qual é o resultado de tudo isto?

Qual é o movimento que o meu negócio está proporcionando no meu mundo e no mundo do qual não faço parte?